Uma única linha du Bocage

Fonte de imagem: Eastern SunRise
Mil anos sem falar comigo, um amigo me procurou. Aparentemente sem intenção alguma, mas o tempo mostrou que ele precisava conversar... e só isso. Não sei ao certo o que ele queria dizer, mas ele precisava do meu silêncio e de meus ouvidos, eu os doei então. Em troca, ele me enviava palavras e compartilhamentos às vezes engraçados, outros tantos perigosos a nossas escolhas do presente.
Seria natural achar que o meu bem ele não queria, ou algo assim. Acho que o fiz perceber isso quando, cansada de fazer silêncio e apenas receber, passei a responder-lhe da mesma forma... e aí ele se afastou. Peguei pesado, foi demais.
Foi bom vê-lo se soltar, apesar dos meios não serem corretos.
Mas fiquei pensando no que havia naquelas “entrelinhas”... não nas entrelinhas do que foi dito, mas das páginas em branco. O que havia escondido em seu silêncio longo após a euforia, o que havia em todas as imagens sem sentido que me enviava... Deve haver um sentido naquilo. Deve haver algo além disso... Não pode ser apenas aquilo que me enviava o que ele tinha a me oferecer, a me dizer... Havia um desabafo de mil anos escondidos, e eu queria ouvir. Não pode ser só isso. Não consigo acreditar.
O silêncio pode significar muita coisa.
Talvez não estivéssemos prontos para o contato.
Talvez devêssemos parar de querer ser nós dois, do jeito que era.
Talvez o que nos impede de um simples abraço seja o excesso de presente que não tem como abrir mão para a interferência de um passado.
Deixa ser de saudade o passado. 
Enterra, fora do peito, toda a loucura do amor que acabou, já não existe.
Não roubemos um do outro nada além do que já foi roubado: o tempo.
Silencia em mim os sentimentos, como foram em ti silenciadas as palavras.

“Permita-me morrer o que viver não soube” 
(Manuel Maria Barbosa du Bocage)